
Meryl Streep: Florence
A parceria de Stephen Frears com o cinema já dura mais de 30 anos. Ao longo deste período, o cineasta britânico criou protagonistas masculinos interessantes, como Daniel Day-Lewis – praticamente debutando nas telonas em Minha Adorável Lavanderia, e John Cusack, numa atuação cheia de charme e veia pop em Alta Fidelidade. O maior destaque do cinema de Frears, porém, recai sobre as brilhantes protagonistas femininas, históricas ou fictícias, que ele leva às telas. Para citar apenas algumas, Glenn Close (Ligações Perigosas), Anjelica Huston (Os Imorais), Judi Dench (Sra. Henderson Apresenta e Philomena) e Helen Mirren (A Rainha).
Com a estreia de Florence: quem é essa mulher?, o rol de atrizes talentosas de Frears ganha mais um nome de peso: Meryl Streep. Ela dá vida à ricaça americana Florence Foster Jenkins, que, mesmo com uma voz tenebrosa, sonha em se tornar uma prestigiada soprano e cantar para um Carnegie Hall lotado. Mote que também foi responsável por outra adaptação desta mesma história para o cinema no ano passado: o francês Marguerite, protagonizado por Catherine Frot.

Helen Mirren: A Rainha
Desde a primeira cena em que aparece vestida de anjo e suspensa por uma corda no palco de um teatro, Meryl demonstra que não se preocupa em se expor ao ridículo. E só uma grande estrela como ela pode transmitir tanta desenvoltura e credibilidade nos momentos em que desafina e nas expressões, propositalmente caricatas, que remetem às de Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses.
Apesar de a falta de talento de Florence ser evidente até para os leigos em ópera, a cada ensaio a personagem acredita estar mais preparada para se apresentar em público, ainda mais pelos “sinceros” elogios de amigos, professores e, claro, de seu prendado marido St Clair, em uma atuação inspirada e cheia de charme de Hugh Grant. Outro destaque do elenco é Simon Helberg, mais conhecido pelo nerd Howard, de The Big Bang Theory, na pele do pianista e fiel companheiro de Florence.
Mais do que expor sua personagem ao ridículo, o olhar de Frears no filme pretende demonstrar a hipocrisia dos membros da aristocracia nova-iorquina dos anos 1940, que, mesmo decadente, não medem esforços para manter a pose e a supremacia, até agir como abutres bajuladores atrás da fortuna de Florence.

Judi Dench: Sra. Henderson Apresenta
Principalmente por serem ambientadas no mesmo período histórico, Florence e Sra. Henderson Apresenta enfrentam os mesmo dilemas: trazem mulheres de meia idade tentando a reinvenção em um ambiente tão opressor e sedento pelo sucesso como o teatro. No entanto, a principal diferença entre as protagonistas destas duas produções é que, enquanto Florence demonstra uma inocência quase dissimulada em não perceber o escarnio ao seu redor, a senhora Henderson, vivida por Judi Dench, prevalece pela ousadia ao colocar dançarinas nuas nos palcos londrinos – sem medo das pressões conservadoras da sociedade e das ameaças de censura das autoridades locais.
A inocência e a fé na humanidade da personagem de Meryl, aliás, se assemelha muita à outra personagem de Judi sob a batuta de Frears, a irlandesa Philomena, do longa de mesmo nome. As duas personagens também carregam traumas de relações sexuais na juventude: a primeira uma doença venérea que prejudica o andamento da sua vida conjugal; já a segunda, uma gravidez indesejada que culminou em internação compulsória num convento irlandês e, por fim, a retirada do filho de seus braços para ser entregue a adoção pelas freiras do local.Ambas as produções trazem também outra vertente comum ao cinema de Frears: a homossexualidade. Contudo, enquanto Florence sugere discretamente a orientação sexual de um dos seus personagens, a homossexualidade em Philomena é peça fundamental para solucionar um dos mistérios da trama.

Glenn Close: Ligações Perigosas
A transgressão sexual também pode ser apontada como combustível para o desejo de outras protagonistas inesquecíveis do cinema de Frears. Seja como mecanismo de vingança contido nos jogos sexuais da Marquesa de Merteuil, de Glenn Close, em Ligações Perigosas, seja nas trapaças e manipulações incestuosas de sedução da personagem de Anjelica Huston em Os Imorais. Já em Florence, a castidade vivida pela protagonista pretende justificar a dinâmica de seu relacionamento com St. Clair, que tem “passe livre” para satisfazer os seus desejos sexuais com outras mulheres da sociedade nova-iorquina.
Por mais que tenha estreado um pouco cedo na temporada, não será nenhuma surpresa se, no próximo ano, Florence render a vigésima indicação da carreira de Meryl Streep ao Oscar. Afinal, o diretor emplacou a maioria de suas protagonistas femininas na lista final da cerimônia da Academia. Helen Mirren, aliás, faturou sua única estatueta por A Rainha, em 2007 – curiosamente, derrotando Meryl Streep, que concorria por O Diabo Veste Prada, e Judi Dench, nomeada por Notas sobre um Escândalo.

Anjelica Huston: Os Imorais
Oscar à parte, o mais importante mesmo é saber que o fascínio de Frears em retratar estas grandes mulheres no cinema está longe de acabar. Em 2017 está prevista a terceira parceria do diretor com Judi Dench, que deve se chamar Victoria and Abdul, na qual Judi retorna ao papel de A Rainha Victória 20 anos após o drama de época Sua Majestade, Mrs. Brown. Vida longa às grandes damas do cinema de Stephen Frears!