Resenha: Corações Sujos

A primeira vez que fiquei sabendo da existência do livro Corações Sujos foi pelo amigo e ex-chefe Thiago Blumenthal, quando olhávamos quais seriam as principais estreias de 2012 nos cinemas. Logo de cara já me interessei pela premissa, um grupo de imigrantes japoneses que morava no interior de São Paulo e não acreditava na derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial e, pior, pregava a vitória do exército do imperador Hiroíto e punia com a morte os chamados corações sujos, os japoneses que aceitavam a derrota.

Jamais tinha ouvido falar na história e tampouco conseguia conceber a ideia de que existiam fanáticos desse tipo. Tudo bem, estamos acostumados a todos os dias descobrirmos novos tipos de fanatismo, mas este me pareceu de forma especial descabido. Pois bem, resolvi ler o livro e não me arrependi.

Exímio jornalista e contador de histórias que é, Fernando Morais (Olga e Chatô, o Rei do Brasil) esmiúça toda o esquema da organização denominada Shindo Renmei, que defendia com unhas e dentes que o Japão não havia perdido a Guerra nem, tampouco, apresentado uma rendição pública por meio do próprio imperador Hiroíto. Alguns membros mais extremistas da organização, chamados de tokkotai, perseguiam os japoneses que acreditavam na derrota japonesa, os derrotistas ou corações sujos, e os matavam, como punição por traírem a pátria.

Antes de fazer “justiça”, os tokkotai enviavam cartas para os makegumi (derrotistas), com orientações para que praticassem o seppuku (ou harakiri), o ritual japonês de suicídio que era feito para recuperar a honra pessoal ou manter o nome da família, ou então, caso se negassem, deveriam lavar a própria garganta para que não sujassem a katana (espada) dos tokkotai.

Em um mundo onde sempre usamos como exemplo de patriotismo o povo americano, há de se considerar que os japoneses atingiram extremos muito maiores nessa questão. O amor ao país é/era tanto que após cometer os crimes em nome da pátria, era comum que os tokkotai se entregassem à polícia, com a sensação de dever cumprido e sem arrependimento algum.

Além do trabalho dos tokkotai, a Shindo Renmei foi responsável por propagar por toda a colônia japonesa que era impossível a derrota do país, já que em mais de 2600 anos o exército imperial jamais havia perdido uma guerra. Para convencer os compatriotas, os membros da organização falsificavam jornais, revistas, panfletos e todo tipo de publicação que falava da rendição japonesa e alegava que os veículos brasileiros faziam propaganda americana para desmoralizar o Japão.

Com uma narrativa cativante e um trabalho de pesquisa minucioso, Fernando Morais conta em Corações Sujos um capítulo pouco conhecido da história do Brasil e mostra que embora mais de 31 mil imigrantes tenham sido identificados, fichados e considerados suspeitos por ligações à seita Shindo Renmei, nenhum deles realmente pagou oficialmente pelos seus atos, já que em 1956 o presidente Juscelino Kubitschek anistiou todos os envolvidos e colocou os poucos que estavam detidos em liberdade.

Corações Sujos foi adaptado para o cinema pelo diretor Vicente Amorim (Um Homem Bom e O Caminho das Nuves) e traz Eduardo Moscovis no elenco. O filme tem estreia prevista para maio agosto deste ano.

Assista ao teaser abaixo:

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Jornalista e crítico de cinema. Coautor do livrorreportagem Cine Belas Artes: Um Olhar Sobre os Cinemas de Rua de São Paulo. Acha O Poderoso Chefão o melhor filme do mundo, mas torce todos os dias para assistir a algum que o supere. Ainda não encontrou, mas continua buscando. E-mail: carlos@setimacena.com // Letterboxd: @CarlosCarvalho

Comentários

  1. JOAO GOMES DA SILVA . disse:

    Muito legal o que vc escreveu É isso mesmo. O livro e o filme são excelentes.