Nessa semana, na nossa coluna Me Indica um Filme?, vamos recomendar o primeiro filme do cineasta Steve McQueen, que neste ano teve seu mais recente trabalho, 12 Anos de Escravidão, laureado com o Oscar de Melhor Filme, entre outros prêmios ao longo da temporada. Antes desse, no entanto, ele já ganhava notoriedade por seu segundo trabalho, Shame, que rendeu o prêmio de Melhor Ator para Michael Fassbender no Festival de Veneza.
No entanto, com sua estreia em longas-metragens McQueen já mostrava a que veio. Com o filme Fome (que muita gente conhece pelo título original em inglês, Hunger) faturou a Câmera de Ouro no Festival de Cannes, prêmio dado ao melhor diretor estreante do ano, no caso, em 2008. Aqui, em sua primeira parceria com Fassbender, que acabaria se tornando seu ator fetiche também em seus dois longas seguintes, McQueen conta a história de um membro do exército republicano irlandês, o IRA, que está encarcerado na prisão de Maze, na Irlanda do Norte, no início dos anos 80.
Bobby Sands faz parte da minoria católica da Irlanda do Norte que desejava que o país se desvinculasse da coroa britânica e se reintegrasse à República da Irlanda, de maioria católica, ao contrário do país do norte, de maioria protestante. Preso, ele organiza com seus companheiros um ato em conjunto, a fim de terem atendidas suas exigências como presos políticos, não como presos comuns, status que não foi mudado pela então primeira-ministra Margaret Thatcher.
Mas se engana quem pensa que McQueen faz de Fome um filme puramente político, e não há demérito algum nisso. Pelo contrário, assim como em 12 Anos de Escravidão e em Shame, este é um estudo de personagem, onde ele se prende mais na psicologia do protagonista, em suas motivações para organizar uma greve de fome coletiva e em cadeia (no sentido sequencial, não no de presídio) e no desenrolar de seus atos.
Tal como em seus dois trabalhos mais conhecidos pelo público, McQueen não se intimida em mostrar a violência que cerca a realidade de seu protagonista, mas o faz sem apelar para o melodrama, sem a intenção de te chocar por ferramentas externas àquela realidade, como trilha sonora, movimentos de câmera ou enquadramentos. Aqui, sua câmera é quase sempre uma mera observadora nas cenas.
Por exemplo, há um longo plano em que ele mostra um carcereiro lavando o corredor cheio de urina despejada pelos presos de todas as celas; em outro plano, ainda maior, Bobby conversa por mais de 15 minutos com um padre (vivido pelo ator Liam Cunningham, o Sor Davos de Game of Thrones) e explica seu plano de organizar uma greve de fome com os outros presos, que culmina em um monólogo brilhante de Fassbender, em um close de quase cinco minutos.Aliás, a atuação de Fassbender aqui é primorosa, não apenas por conta de sua drástica mudança física, já que emagreceu muito para o papel, mas também em toda a carga dramática que deposita no personagem, que vai de surtos violentos a um tom mais sereno e melancólico do personagem.
Mais IRA e Irlanda do Norte
Pra quem se interessa pela temática dos conflitos na Irlanda do Norte, principalmente envolvendo o IRA, fica a recomendação breve de mais dois bons filmes que também envolvem o tema, ainda que não se aprofundem nele: Inimigo Íntimo, um thriller de 1997 do cineasta Alan J. Pakula, o mesmo de Todos os Homens do Presidente; e Em Nome do Pai (1993), de Jim Sheridan, diretor de Meu Pé Esquerdo.
O primeiro é estrelado Brad Pitt, que interpreta um membro do IRA que foge para os Estados Unidos e acaba se tornando amigo de um policial vivido por Harrison Ford, que desconhece sua origem “guerrilheira”, e o hospeda em sua casa, enquanto o rapaz negocia armamentos para enviar a seu país embaixo de seu teto. Confesso que assisti ao filme há tempos, mas ainda guardo comigo a impressão de ser um ótimo filme, ainda mais sendo do cineasta que é.
Em Nome do Pai é um clássico que merece ser visto e revisto. No longa, Daniel Day-Lewis interpreta um jovem (apesar de já ter 36 anos quando o filme foi lançado) que acaba sendo preso e condenado injustamente por participar de um atentado à bomba do IRA na Inglaterra. Seu pai tenta ajudá-lo, mas também é preso. Então ele só pode contar com a ajuda da advogada vivida por Emma Thompson para provar sua inocência. Esse, afirmo com certeza: excelente!