Magia, obsessão e tech noir

A seleção de hoje na coluna Poder e Cobiça traz dois objetos que apelam para o público feminino e um item que une o útil ao agradável. Estamos falando dos sapatinhos de rubi de Dorothy em O Mágico de Oz, o tailleur de Madeleine em Um Corpo que Cai e o guarda-chuva dos transeuntes em Blade Runner.  Exercendo desde um papel fundamental na estética até na história em si, estes objetos carregam consigo a aura de seus filmes e despertam o desejo no público. Duvida? Eu não seria tão cética se tratando de cobiça:

Aviso: A coluna contém spoilers!

Nome | Sapatos de rubi

Filme | O Mágico de Oz (1939)

Dono | Dorothy Gale (Judy Garland)

Existe? | Sim

Onde comprar | Há vários modelos na Amazon: http://migre.me/aL2PX

Por que é tão legal? Existe uma máxima bastante machista a respeito de O Mágico de Oz, que afirma que o filme é “a história de duas mulheres lutando por um par de sapatos”. Apesar de banalizar um clássico tão grandioso e repleto de significado, a frase não deixa de ter certa razão. De todos os objetos que as histórias de fantasia costumam dotar de poderes mágicos – anéis, colares, espadas – nenhum poderia ser mais emblemático para o filme que os sapatos de rubi. Afinal, quais itens poderiam representar melhor a cobiça e o poder feminino que sapatos e joias?

À exceção do Mágico, todos os seres poderosos de Oz são mulheres. E a mais poderosa entre elas, a malvada Bruxa Má do Leste, usufrui desta posição justamente por ser a detentora dos sapatinhos mágicos. A irmã a inveja; os demais a temem. Portanto, quando Dorothy a mata por acidente – ora, você realmente não pensava que…? A garotinha é um anjo! – a ela e a seus pés inocentes são confiados os sapatos para garantir que a perversa irmã jamais consiga usá-los.

Agora faça as contas: Judy Garland + joias + sapato + poder + technicolor = um dos itens mais belos que o público já pode apreciar nas telas do cinema. Quando os sapatos aparecem nos pés de Dorothy, a fascinação é tanta que respiramos fundo. O brilho do vermelho enche os nossos olhos e, por um segundo, até o mais bruto entre os homens compreende por quê garotas como Holly Golightly e Carrie Bradshaw dedicam um tempo sagrado às vitrines de joalheiras e das lojas de Manolo Blahnik.

E entre as tantas meninas que já compraram sapatos vermelhos e brilhantes porque eles lhe invocavam memórias do filme, sou estatística. Uma estatística que, ao sair pelas ruas de São Paulo com um modelo já opaco e gasto, se sente um pouco como aquela destemida garota do Kansas.

 Nome | Tailleur cinza

Filme | Um Corpo que Cai (1958)

Dono | Madeleine/ Judy (Kim Novak)

Existe? | Sim

Onde comprar | O modelo pode ser encontrado na maioria das lojas de departamento, mas em peças separadas. Uma costureira habilidosa também pode reproduzir o conjunto.

Por que é tão legal? Sabe aquela sensação incômoda que você sente ao olhar para Madeleine? Não, não se trata de seu ar etéreo ou de suas sobrancelhas desenhadas. Você não consegue definir, certo? Era exatamente esta a intenção de Hitchcock e Edith Head ao elaborar a principal vestimenta da moça em Um Corpo que Cai: o tailleur cinza.

Mas o que há de tão perturbador em um terninho de tamanha elegância? Bem, há de se analisar, em primeiro lugar, a escolha da cor. Hitchcock não queria que a misteriosa Madeleine usasse uma cor usual, de modo que se aconselhou com a estilista Edith Head e chegou à conclusão de que o cinza – incomum entre as mulheres da época – destacaria a atriz. Para o deleite do cineasta, ele também notou que a combinação entre o cinza do tailleur e o loiro platinado do cabelo de Kim Novak era estranha o bastante para fazer o espectador ficar um tanto ressabiado.

Mas há um motivo, ainda mais profundo, que torna o tailleur um objeto de desejo: ele foi a vestimenta de Madeleine no momento de sua “morte” e a roupa utilizada por Judy no ápice da obsessão de Scottie em tentar “trazer de volta à vida” a amada falecida.

Nefasto, mas absolutamente envolvente. Há um quê de fetiche naquele terninho cinza. Antes dele, Scottie sequer conseguia beijar Judy. Contudo, no momento em que a viu vestida com o tailleur (e com os cabelos platinados de Madeleine), beijou-a como se fosse a sua criação perfeita – qualquer semelhança com Pigmalião não é mera coincidência.

Mal podemos imaginar quantos homens saíram das sessões de Um Corpo que Cai imaginando as companheiras com aquele tailleur ou quantas mulheres quiseram, ao menos uma vez, provocar em seus companheiros o impacto que Kim Novak causava com seu terninho indefectível.

Nome | Guarda-chuva de LED

Filme | Blade Runner (1982)

Dono | Vários

Existe? | Sim

Onde comprar | http://migre.me/aL3Av

Por que é tão legal? Se na descrição dos sapatinhos de rubi de Dorothy eu citei uma máxima, faço questão de inventar outra para este tópico: “Se é de Blade Runner, é automaticamente legal”. Você consegue imaginar algo mais cool que este filme? Todo aquele clima noir, a “invasão chinesa”, os replicantes, os guarda-chuvas de LED… você sabe, aqueles usados pelos figurantes, bastante parecidos com sabres de l… É ISSO! Finalmente entendo porque aqueles guarda-chuvas são tão legais! Eles são iguaizinhos aos sabres de luz de Star Wars, com a diferença de que, em vez de mutilar, eles apenas o protegem da água e iluminam as sombrias e melancólicas ruas daquele decadente futuro high tech.

Comparações nerd à parte, vamos ao que interessa: o seu apelo. Em termos de estética, é um acessório excepcional.  Em meio à escuridão da cidade de Deckard, a luz daqueles guarda-chuvas de design simples conferia tons belíssimos aos cenários. Eram os escassos resquícios de beleza em um lugar que sofria os efeitos negativos da busca pela utopia.

É claro que hoje você pode encontrar com relativa facilidade as réplicas deste guarda-chuva em sites de acessórios nerd. Também é claro que você pode sair por exibindo sua nova aquisição com ares de caçador de androides, mas você pode compreender todo o significado desse item, toda a sua carga, toda a sua ironia?

O guarda-chuva – objeto tão corriqueiro e esquecido em nosso cotidiano – representa, em Blade Runner, flashes de presença humana em ambientes cuja vida é tão efêmera quanto… quanto…

… Lágrimas na chuva.

Se me permite dizer, Roy.

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Jornalista, cinéfila e fanática por Beatles. Acha que a relação entre filmes e videogames pode gerar grandes frutos e que Clint Eastwood é o homem dos sonhos. Twitter: @RafaelaCaetano e-mail: rafa_starkey@hotmail.com