Neste sábado, Martin Scorsese comemora seus 70 anos, mas ainda parece um garoto, pronto para brincar com todas as ferramentas possíveis e imagináveis de seu brinquedo favorito, o cinema. Quando criança, em Nova York, era apenas um menino asmático que tinha tudo para morrer cedo, não apenas por conta de seus problemas de saúde, mas também porque viu de perto toda a violência que anos depois retrataria em seus filmes.
Descendente de italianos, o pequeno Scorsese, que não podia brincar na rua, tinha como principal diversão assistir a filmes nos (à época) baratos cinemas do seu bairro, o Queens. Essa foi a escola de Scorsese, que também é conhecido por ser um dos maiores cinéfilos de que se tem notícia. Lendo sua biografia em forma de entrevista, realizada por Richard Schickel, Conversas com Scorsese, percebe-se o quanto o diretor conhece de cinema. É de se espantar a memória que tem e a capacidade de se lembrar de detalhes que, aos olhos do “cinéfilo comum”, pode passar despercebido.
Nos anos 70, Scorsese foi um dos principais nomes da famosa Nova Hollywood, período do cinema norte-americano no qual surgiram nomes como Steven Spielberg, George Lucas, Francis Ford Coppola e Brian De Palma. Todos amigos, aliás. Nessa época, “essa turminha da pesada” foi responsável por peitar, digamos assim, os grandes estúdios e apostar no cinema de autor, obviamente influenciados pela Nouvelle Vague francesa.
Ali, Scorsese encontrou espaço para contar, de forma barata, histórias que estiveram muito próximas dele desse a infância, principalmente a violência nova-iorquina que esteve tão próxima dele. Fez amigos que seriam importantes para toda a sua carreira e, como se verá a seguir, sua própria vida. Seu primeiro ator-fetiche foi Harvey Keitel, posteriormente, o maior deles, Robert De Niro.
Scorsese é um dos principais responsáveis por fazer de De Niro um dos maiores atores da história do cinema. Este, foi um dos principais responsáveis por fazer de Scorsese um dos maiores cineastas da história do cinema. Nessa época, porém, o cineasta não conseguia o mesmo sucesso comercial de seus colegas Spielberg, Coppola e Lucas, embora fosse bastante elogiado pela crítica.
Influenciado, talvez, por todo o sentimento libertário da época, com a contracultura à todo vapor, Scorsese quase teve sua vida interrompida por conta do vício em cocaína. E, como sempre costuma dizer, foi o próprio De Niro o responsável por salvar a vida de Scorsese, ao insistir para que fizessem juntos Touro Indomável.
Não quero falar sobre a carreira do Scorsese. Ela está aí em qualquer outro site e a recomendação é: assista a tudo, várias vezes. Não apenas porque seus filmes são ótimos, mas porque é lindo conseguir reconhecer que ele próprio se diverte fazendo seus filmes. É um estudioso dessa arte, faz referências que nós, meros mortais, principalmente mais novos, às vezes não somos capazes de reconhecer. Mas é lindo quando temos conhecimento.
Embora seja um cineasta marcado por seus filmes violentos, é inegável que saiba ser sutil quando se precisa, como em Kundun ou A Invenção de Hugo Cabret, seu mais recente trabalho e primeira aventura no universo do 3D. A propósito, muito mais do que James Cameron, nome responsável pelo boom dessa tecnologia, Scorsese demonstrou que ela pode, e muito, ser usada como ferramenta narrativa para sua história, não apenas um mero recurso estético.
Apaixonado por música tanto quanto por cinema, é em seus documentários que o cineasta se sente mais à vontade, como diz em sua entrevista a Richard Schickel. E não documentou qualquer coisa, documentou Stones, Dylan, The Band, Harrison… mas também fez uma viagem pela história do cinema americano ou pela história dos seus próprios pais, em Italianamerican.
É mais do que um cineasta, um entusiasta e um divulgador da Sétima Arte. Scorsese é uma figura essencial para a existência do próprio cinema, principalmente por ser um dos grandes defensores de sua preservação. Mantém uma fundação que restaura todo e qualquer tipo de filme, independentemente do país, do gênero ou de sua qualidade artística. Restaura e preserva como registro histórico de um período. Como parte importante da história da arte, do mundo.
Parte disso, pôde ser visto em Hugo Cabret, onde o protagonista é quase um álter ego do próprio Scorsese. O menino Scorsese, apaixonado pelo cinema na infância. O senhor Scorsese, apaixonado pelo cinema na velhice. Que viva muito mais do que 70 anos e que, filme após filme, nos faça aumentar o amor e o respeito por sua obra e pelo próprio cinema.
Abaixo, um dos momentos mais emocionantes de sua carreira, quando finalmente recebeu sua primeira, e até agora única, estatueta do Oscar, entregue por três de seus melhores amigos. Fiquemos de pé e aplaudamos!