Crítica: Os Miseráveis

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Na cerimônia do Oscar de 2011, Tom Hooper aplicou uma rasteira em David Fincher e faturou a estatueta de Melhor Diretor por O Discurso do Rei. Apesar do filme não ser um desastre e, inclusive, contar com um bom elenco, o trabalho de direção de Hooper era pavoroso e ele só ganhou o prêmio mesmo graças ao conservadorismo e ao surto coletivo da Academia.

Dois anos depois, o diretor retorna com o musical Os Miseráveis provando que não leva mesmo jeito pra direção. E, mais uma vez, precisou recorrer a um grupo de atores talentosos para que a sua produção não caísse no desastre total. Ambientado no fim de século XIX, Os Miseráveis retrata a ascensão de Jean Valjean (Hugh Jackman), que comete o “terrível” crime de roubar um pão para o seu sobrinho e, por isso, passa 19 anos na prisão sofrendo humilhações físicas e psicológicas do Inspetor Javert (Russell Crowe).

Anos depois, já reabilitado na sociedade, Valjean se transforma num respeitado dono de fábrica e prefeito de uma cidadezinha do interior da França, mas a qualquer momento pode ser recapturado por Javert, que ainda o persegue por ter infringindo a condicional. Quando Fantine (Anne Hathaway), uma de suas funcionárias, é despedida injustamente, o protagonista se sente na obrigação de ajudar a pobre moça e, tempos depois, adota a filha dela, Cosette (Amanda Seyfried), que, por sua vez, se apaixona perdidamente pelo personagem de Eddie Redmayne.

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O roteiro irregular do longa tenta dar conta desta trágica história de injustiça e redenção, ao mesmo tempo em que aborda o contexto político do filme, já que precisa retratar as subtramas envolvendo a batalha dos estudantes franceses com os tropas do Rei Luís XVI. Desta vez, Hooper até se esforça, pois sabendo que a aclamada obra de Victor Hugo já ganhou inúmeras versões para as telonas, colocou o seu elenco para cantar ao vivo nos sets, diferentemente do que acontece com os demais musicais, em que os atores gravam anteriormente suas canções e as dublam durante as filmagens.

Entretanto, as escolhas erradas dos enquadramentos e a falta de sutileza para captar as emoções dos atores durante a ação do filme, praticamente faz com que Hooper transforme esta ousadia num verdadeiro tormento para a plateia, principalmente por que Os Miseráveis é, exceto por pouquíssimas frases, todo cantado.

Apesar de seu diretor, esta nova adaptação consegue ser um bom divertimento e até possui uma agradável caracterização técnica, que conta com uma eficiente direção de arte, cenários grandiosos e uma boa mixagem de som. Já os belos figurinos, criados pelo espanhol Paco Delgado, servem também para retratar a transição dos personagens. E um bom exemplo disto são os trapos utilizados por Jackman durante a prisão, que de repente mudam para os luxuosos trajes que o prefeito e a sua filha adotiva ostentam durante a fase mais afortunada de suas vidas.

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Mas a força do filme está mesmo no elenco. Jackman consegue transmitir todas as transformações físicas e emocionais de Valjean. E, devido às várias apresentações na Brodway, o eterno Wolverine canta sem dificuldades. Amanda Seyfried e Eddie Redmayne, embora interpretem um casal que não convence muito na trama, têm boas atuações. Assim como Russell Crowe, que não é este horror que andam dizendo por aí.

Com uma atuação primorosa, Samantha Barks, que no longa também morre de amores pelo personagem de Redmayne, é sem dúvida uma das melhores do elenco, compondo com muita intensidade a sofrida Éponine. No entanto, assim como a sua personagem, acabou injustiça em meio aos astros mais renomados. E é claro que não podemos nos esquecer de Anne Hathaway, a mais festejada de todos, que ao longo do filme perde os cabelos, os dentes e a dignidade ao ter que se prostituir para mandar o sustento da filha.

Anne está excelente no filme e pode até aparecer pouco durante os 158 minutos de projeção, mas será, sem dúvida, a emocionante interpretação de I Dreamed a Dream de Fantine que fará com que Os Miseráveis permaneça para sempre na mente dos espectadores.

fantine

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Jornalista, fã incondicional de Nick Hornby e coautor do livro inédito Cine Belas Artes: Um Olhar Sobre os Cinemas de Rua de São Paulo. Ainda não viu nada melhor que Asas do Desejo, de Wim Wenders... Mas Beleza Americana chegou perto. e-mail: cristiano@setimacena.com