Lançado em 1996, o longa Trainspotting, de Danny Boyle, conquistou legiões de fãs pelo mundo ao retratar um grupo de amigos escoceses (Renton, Franco, Sick Boy, Tommy e Spud) desocupados, violentos e viciados em heroína que passam a maior parte do dia se drogando e arrumando confusões no subúrbio de Edimburgo. Com um elenco até então desconhecido e montagem frenética, a produção ajudou a impulsionar as carreiras de Boyle (que ganhou o Oscar de Direção 13 anos depois por Quem Quer Ser um Milionário?) e do protagonista Ewan McGregor, intérprete de Renton.
O roteiro muito bem escrito – e inclusive indicado ao Oscar – é um verdadeiro caldeirão da cultura pop. As roupas e os tênis usados por Renton no longa serviram de referência para muitos jovens. Quando vi Trainspotting pela primeira vez, mergulhei totalmente naquele universo pop e vibrante recriado por Danny Boyle a partir do livro de Irvine Welsh. Música, drogas e puxadas de tapetes saltam à tela, mas sob a trilha pungente e repleta de punk rock e música eletrônica, o que vem à tona pra mim é a bela canção Perfect Day, de Lou Reed, e o utópico par de Adidas de Renton – tênis esse que me faz percorrer várias lojas até meados dos anos 2000 na esperança de encontrar um par 38.
Após a revisão do filme para ver a continuação T2 Trainspotting, que estreou recentemente por aqui, lembrei novamente da minha fracassada tentativa de encontrar o tênis. A frustração logo deu lugar à expectativa de rever Renton e seus amigos desajustados. Será que Boyle iria reconstruir aquele universo tão efervescente sem transformar os personagens em quarentões ridículos? A resposta não poderia ser melhor. T2 ultrapassa com louvor a barreira da sequência tardia e ainda consegue ressignificar alguns objetos e sequências do primeiro longa –com direito ao uso pra lá de prático e providencial da privada e de uma atualização pertinente do mantra “Choose Life”.
A trama desta sequência é inspirada no livro Pornô, também de Welsh, e se passa 20 anos após os acontecimentos do primeiro filme. O quarteto, agora sem Tommy, morto no longo anterior, precisa lidar com a traição de Renton, que partiu carregando uma mala com 16 mil libras que, a princípio, seria dividida entre todos. Por isso, o sentimento principal agora é de vingança, cultivada ao longo de experiências frustrantes e dolorosas –principalmente pelo violento Franco, que passou todos esses anos na cadeia almejando, claro, ficar novamente cara a cara com Renton.
Algumas cenas do primeiro longa surgem à tona para ajudar o público a lembrar da trajetória dos personagens. Mas Boyle, com muita habilidade, mantém a fluidez da narrativa e não deixa essas voltas no tempo atrapalharem o desenvolvimento do roteiro. Pelo contrário. Esses momentos ajudam a demonstrar que o peso dos anos pode ser refletido em todos os personagens, e os atos inconsequentes do passado agora cobram um preço alto. Isso não quer dizer que o diretor queira punir o seu quarteto com consequências conservadoras, mas sim demonstrar que os 20 e poucos anos ficaram há muito para trás.
Claro que o clima ainda é frenético, e o roteiro, sempre que possível, insere elementos da cultura pop –principalmente originados pelas novas tecnologias–, para demonstrar que o quarteto quarentão se manteve antenado e ainda consegue se apropriar de outros meios de sobrevivência, muitas vezes ilícitos, obviamente. Dessa vez o ponto alto da trilha fica por conta de Radio Ga Ga, do Queen, e lógico, de algumas faixas icônicas do longa anterior, como Born Slippy, de Underworld, e uma versão de Lust for Life, do Iggy Pop, embalada por um vinil vibrante.
Por mais que a sequência não tenha momentos catárticos como a overdose ao som irônico de Perfect Day ou a corrida alucinada com o Adidas de Renton, é sempre muito bom revisitar esses personagens tão carismáticos. O dueto musical de Renton e Sick Boy, por exemplo, é um dos momentos mais divertidos do longa e deixa a plateia com um sorriso de satisfação e com a expectativa de mergulhar novamente neste universo.
É, Renton, o mundo continua mudando. Choose Life, meu caro… E conta para o amigo aqui onde você conseguiu aquele tênis, vai…