Crítica: Tabu

Finalmente, depois de quase um ano que foi exibido na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, chega aos cinemas, infelizmente em pouquíssimas salas, um dos melhores filmes a que assisti nos últimos tempos, Tabu, do cineasta português Miguel Gomes (A Cara que Mereces, Aquele Querido Mês de Agosto). O longa usa como referência o filme homônimo de F.W. Murnau e Robert Flaherty, de 1931, que conta a história de um casal em uma aldeia no Taiti que tem de fugir para conseguir viver seu amor, já que a moça, Tabu, é considerada pelos nativos uma espécie de intocável, que não deveria se relacionar com homem algum.

O filme de Miguel Gomes é dividido em duas partes, Paraíso Perdido e Paraíso, onde ambas contam duas fases da vida de Aurora (também o nome de um filme de Murnau). Na primeira metade, interpretada por Laura Soveral, Aurora é uma idosa que gasta todo seu dinheiro em um cassino e é “cuidada” pela empregada, Santa (Isabel Muñoz Cardoso), e pela vizinha, Pilar (Teresa Madruga).

Aliás, esta primeira parte acaba sendo até mais sobre Pilar do que sobre Aurora. A questão é que Tabu é um filme plural, diverso, sobre histórias. Então a própria história de Pilar se confunde um pouco com a de Aurora, já que o filme trata também sobre abandono e solidão. Pilar é uma mulher de meia-idade solitária, que tem um amigo pintor que é apaixonado por ela, mas que não recebe o mesmo sentimento em troca. Ela, em contrapartida, estava disposta a hospedar uma jovem polonesa em férias em sua casa, mas também é abandonada pela moça, que prefere ficar com os amigos.

É nessa aura de abandono que Pilar se encaixa na vida de Aurora, que também é abandonada pela filha e está enlouquecendo em sua casa, impedida de se dar ao luxo de que tanto gosta, apostar em cassinos. Em meio a sonhos e alucinações de Aurora, ela pede para que Pilar vá atrás de um homem que fez parte de seu passado, Ventura. Quando este chega ao encontro de Aurora, já é tarde, Inês é morta. Digo, Aurora. É aí que somos levados por Miguel Gomes para a segunda parte do filme, Paraíso, onde Ventura irá narrar a história de amor vivida com Aurora em uma colônia portuguesa na África.

Com uma belíssima fotografia em preto e branco e apostando na conjunção de narrações em off com diversas cenas completamente mudas, Miguel Gomes faz um filme belíssimo. Que mostra, com uma narrativa muito criativa e bem humorada, uma história universal. Um amor proibido, mas verdadeiro. Rico em simbolismos e homenagens.

Durante a juventude de Aurora e Ventura, vemos como a vida dos dois se cruzam, como se apaixonam e se entregam a este amor proibido, já que Aurora é casada. Obviamente, como se sabe por conta da primeira metade do filme, também descobrimos como os dois se separam, mas permanecem ligados por décadas, ainda que não tenham mais contato um com o outro, pois Tabu, como já foi dito, é um filme universal, e se a memória dos homens é limitada, a do mundo é eterna. E a ela ninguém poderá escapar.

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Jornalista e crítico de cinema. Coautor do livrorreportagem Cine Belas Artes: Um Olhar Sobre os Cinemas de Rua de São Paulo. Acha O Poderoso Chefão o melhor filme do mundo, mas torce todos os dias para assistir a algum que o supere. Ainda não encontrou, mas continua buscando. E-mail: carlos@setimacena.com // Letterboxd: @CarlosCarvalho