
Cinema Novo
Tempos de reflexão. Este poderia ser o lema desta 40ªMostra Internacional de Cinema, que começa nesta quinta-feira em São Paulo e exibe 322 filmes, de diversos países, divididos em seis seções: Homenagens, Apresentações Especiais, Foco Polônia, Competição Novos Diretores, Mostra Brasil e Perspectiva Internacional. Em épocas de conturbado momento político em todo o mundo, este tradicional evento paulistano abarca longas com amplos aspectos sociais e, principalmente, que buscam reforçar os direitos humanos e o respeito pelas diferenças.
Por isso, a escolha dos homenageados desta edição, entre eles os cineastas Marco Bellocchio e Andrzej Wadja e o ator brasileiro Antônio Pitanga, não poderia ser mais pungente, principalmente por estes nomes estarem afetos a produções voltadas às lutas pelos direitos civis, principalmente das classes trabalhadoras. Com 12 filmes previstos para esta edição da Mostra, Bellocchio também assina o cartaz do evento. A arte escolhida por ele capta elementos de um de seus filmes mais famosos, Bom Dia, Noite (2003). O cineasta italiano é responsável ainda por abrir oficialmente a Mostra com o longa Belos Sonhos (2016), mas vale também assistir ao profundo A Bela que Dorme, que levanta um eficiente debate sobre a eutanásia na Itália.
Já Wajda, morto no último dia 9 aos 90 anos, terá 17 produções à disposição do público, com destaque para Paisagem após a Batalha (1970), O Homem de Ferro, vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 1981, e Walesa (2013). O polonês deixa um legado de peso para os apreciadores da sétima arte, com obras que retratam, principalmente, os fantasmas da guerra e a opressão sofrida durante o regime comunista de seu país. Por esta carreira tão importante e longeva para o cinema mundial, Wajda recebe postumamente, o Prêmio Humanidade, reservado para cineasta cujos filmes retratam questões sócias e políticas.
A preocupação com os anseios da sociedade também é um dos aspectos principais dos filmes que integram o Foco Polônia, que traz quase 50 produções. Um dos destaques dos conterrâneos de Wadja é a exibição de todos os episódios da série Decálogo, inspirada nos 10 mandamentos bíblicos e considerada a obra-prima do cineasta Krzystof Kieslowski.
Pitanga, por sua vez, recebe o prêmio Leon Cakoff, em homenagem à grande contribuição em mais de 60 produções do cinema brasileiro ao longo de mais de cinco décadas. Durante o evento, serão exibidos dois filmes protagonizados pelo ator baiano: Barravento e A Grande Cidade, além do documentário Pitanga, dirigido por sua filha Camila Pitanga em parceria com Beto Brant. O cinema nacional, aliás, marca presença com 60 produções distribuídas na Mostra Brasil. Ótima chance de ver na telona grandes clássicos do nosso cinema, como o Palma de Ouro em Cannes em 1962, O Pagador de Promessas no qual Pitanga também participa, e Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia (1977), de Hector Babenco – morto em julho deste ano.

Divinas Divas
Da nova safra brasileira, surgem Cinema Novo, de Eryk Rocha, e Era o Hotel Cambridge – produzido com a contribuição do Movimento Sem Teto do Centro (de São Paulo) e do Grupo Refugiados e Imigrantes Sem Teto. Dirigido por Elianne Caffé, o longa metragem retrata a convivência entre moradores sem teto e refugiados que ocupam o hotel abandonado, do centro de São Paulo, que dá nome ao longa. A luta pela liberdade individual e pelos direitos humanos é o enfoque principal do documentário Divinas Divas, que marca a estreia da atriz Leandra Leal na direção. Repleto de artistas travestis que desafiaram a opressão da ditadura militar nas décadas de 1960 e 1970, entre elas, Rogéria e Eloina dos Leopardos, o longa promete ser um dos mais disputados deste ano.
Aqueles que gostam de produções de destaques nos festivais internacionais devem lotar as sessões de Animais Noturnos, longa de Tom Ford que, por meio de metalinguagem, equilibra três linhas narrativas para contar uma história que traz discussões sobre obras de arte, crises conjugais e desejo de vingança. Principalmente pela direção segura de Ford e pelo bom elenco, liderado por Jake Gyllenhaal e Amy Adams, o longa faturou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza deste ano. De Cannes, surgem como destaques o iraniano O Apartamento, prêmio de Melhor Interpretação Masculina e de Roteiro; o filipino Ma’Rosa, de Brilhante Mendonça, vencedor do troféu de Interpretação Feminina; e Elle, do holandês Paul Verhoeven, que, apesar de ter chocado o badalado festival francês, saiu sem prêmios, mas é um dos favoritos para aparecer na lista dos indicados à categoria de filme estrangeiros do Oscar 2017.
Vale a pena também reservar algumas sessões para os nossos hermanos latinos, representados em 20 longas que retratam a cultura local e desafios sociais de caráter universal, como os do jovem chileno vítima de ataque homofóbico em Nunca Vas a estar Solo, de Alex Anwandter, ou da menina equatoriana Alba (personagem título do longa de Ana Cristina Barragan) que, aos 11 anos, precisa lidar com a doença da mãe ao mesmo tempo em que tem as primeiras experiências amorosas que marcam sua entrada na adolescência. Mas não dá para deixar de fora o cinema colombiano, um dos mais pungentes da atualidade e que, na Mostra de 2015, esteve presente com três longas de peso: A Terra e a Sombra, O Abraço da Serpente, indicado ao Oscar de filme de língua estrangeira neste ano, e Alias Maria, que representa o país na busca de uma nova indicação ao prêmio da Academia em 2017. Nesta 40ª edição da Mostra, a Colômbia é lembrada com seis longas, entre eles, Mama, que foca no cotidiano no campo de três gerações de mulheres de uma mesma família, e Oscuro Animal, cujo roteiro também aborda a rotina de um trio de mulheres que lutam pelo direito à propriedade.
É claro que esta edição da Mostra não poderia deixar de prestar tributo a um dos seus filhos mais ilustres: o grande mestre Abbas Kiarostami, que nos deixou no último mês de julho aos 76 anos. Na verdade, a primeira e linda homenagem da diretora do evento, Renata de Almeida, a Kiarostami pode ser lida aqui, mas durante a edição deste ano, também será exibido o último filme dirigido por ele, Me Leve para a Casa, um curta-metragem de apenas 16 minutos que relata a passagem de Abbas pela Itália. O iraniano também será lembrado com a exibição do documentário 76 Minutos e 15 Segundos com Kiarostami, de Seifollah Samadian, cujo título representa a duração das imagens que retratam momentos da obra e do cotidiano deste grande mestre da sétima arte, que sempre nos desafiou e, acima de tudo, nos ensinou a refletir sobre a poesia e a realidade no cinema.
A 40ª edição da Mostra Internacional de Cinema prossegue até o dia 2 de novembro. A lista completa do evento pode ser consultada aqui.

76 Minutos e 15 Segundos com Kiarostami