O diretor e roteirista Michael Haneke construiu, em quase quatro décadas de carreira, uma filmografia que retrata a crueldade e a perversão humana. Essas características fizeram com que ele ficasse conhecido como um dos cineastas mais duros e descrentes da atualidade. De fato ele é, mas poucos ostentam domínio narrativo, competência técnica e sabe transpor para as telas os anseios mais íntimos da sociedade como ele.
Graduado em psicologia, filosofia e teatro pela Universidade de Veneza, Haneke iniciou a carreira em 1974 na televisão europeia, permanecendo lá por 15 anos. A sua estreia nos cinemas foi com o controverso O Sétimo Continente (1979), que girava em torno de uma família de classe média depressiva que comete suicídio durante uma viagem à Austrália.
A depressão e o isolamento também foi o foco da produção seguinte do diretor, o suspense O Vídeo de Benny, que fala de um rapaz recluso, que, ao passar a maior parte do dia vendo filmes violentos na televisão, começa a reproduzir os atos das obras a que assiste. Com este longa, Haneke passou a despertar o interesse do público e da crítica mundial, recebendo uma indicação de Melhor Filme no European Film Awards.
Mas foi com o longa Violência Gratuita, de 1997, que o cineasta chocou mesmo a todos ao mostrar um casal austríaco de classe média sendo torturado por dois jovens psicopatas bem nascidos. No mundo perverso desses dois rapazes tudo é possível, até mesmo que o filme seja rebobinado para que a história siga da forma exata que eles planejaram.
Em seguida, o cineasta lançou Código Desconhecido, que retrata um cotidiano de três famílias pautado pela intolerância social, principalmente em relação aos imigrantes. Destaque para atuação da francesa Juliette Binoche.
No visceral A Professora de Piano (2001), Haneke expõe os sentimentos mais perversos e repulsivos da personagem de Isabelle Huppert. Com uma atuação de extrema entrega, que lhe rendeu o prêmio de Melhor Interpretação Feminina no Festival de Cannes, a atriz se mutila, seduz rapazes mais novos e frequenta cinemas pornôs para saciar os desejos sexuais, o que causou muitas reclamações da ala feminina pelo mundo.
Já mundialmente conhecido pela fama de cruel, Haneke voltou a trabalhar com Binoche, em 2005, no longa Caché, no qual, coloca o expectador novamente num mundo de intolerância social, além de escancarar a paranoia da sociedade europeia. Este talvez seja o filme mais enigmático do diretor e, por isso, um dos mais envolventes e cultuados.
Após fazer uma refilmagem desnecessária, nos Estados Unidos, de Violência Gratuita, Haneke retoma os eixos no perturbador A Fita Branca. No longa, que conta com uma opressora fotografia em preto e branco, o diretor retrata uma série de crueldades num pacato vilarejo do interior da Alemanha. Neste filme Haneke conseguiu recrutar um grupo formidável de atores mirins para demonstrar os primeiros atos perversos da sociedade ariana, que, duas décadas depois, seria a protagonista da Segunda Guerra Mundial.
O filme finalmente rendeu a Haneke a primeira Palma de Ouro em Cannes, e faturou o Globo de Ouro de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Além disso, A Fita Branca foi a primeira produção de Haneke a ser indicada ao Oscar, figurando na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, perdendo para o argentino O Segredo dos seus Olhos, e Melhor Fotografia, vencida por Avatar.
Mas foi em 2013 que a Academia concedeu o devido reconhecimento a um filme de Michael Haneke e, assim como fez em poucas vezes na história, eliminou a barreira preconceituosa das produções de língua estrangeira. O responsável pelo feito foi o comovente Amor, que além da já esperada categoria de Filme Estrangeiro, foi indicado a outras quatro: Melhor Filme, Atriz (Emmanuelle Riva), tornando-se a atriz mais velha da história a ser indicada ao prêmio, Diretor e Roteiro Original, ambas para Haneke.
Neste novo longa, que rendeu ao diretor a segunda Palma de Ouro, a violência física, tão característica da filmografia do diretor, aparece apenas em uma cena. Mas ela surge de forma tão surpreendente que, praticamente, deixa a plateia sem respirar na poltrona do cinema, além de nos causar uma sensação de impotência, já que somos incapazes de julgar o agressor.
Mais um ato cruel e perturbador deste cineasta tão talentoso que não cansa de nos surpreender.